15 de maio de 2011

Quando a paixão senta à mesa


Há alguns anos, não sei bem quantos, numa noite de um sábado qualquer, vesti um belo vestido preto, de listras finas e corte sensual, pus um par de sandálias altas, de modo que minhas pernas mostravam-se nuas e atraentes. Cobri o meu colo com um perfume marcante, desses que roubam pra si qualquer olfato alheio, e saí pra jantar. Naquela noite eu tinha um encontro marcado comigo mesma. Um jantar, um momento meu, umas horas pra gastar comigo. E eu havia me enfeitado com capricho para tal.

Com um charme que reservei para aquela noite, sentei-me à mesa. Dispensei a entrada. Fui direto ao prato principal. Para beber, vinho tinto. Para comer, frutos do mar. Tocava os talheres como se os acariciasse. Bebia na taça como se a beijasse.

Estava me entregando àquele momento, e ele a mim. E senti prazer por vivê-lo.

Uma música suave tocava ao fundo. Olhei em volta a fim de saber de onde vinha a melodia. Voltei meu olhar em torno do moço moreno, como uma xícara de café com leite, bem vestido, barba por fazer, de gestos suaves e precisos, que tocava aquele piano como devia um homem tocar uma mulher. Intensamente, produzindo os mais admiráveis sons.

Ele fechava seus olhos de modo que os meus logo os queriam chamar de volta. Queria encontrar seus olhares por toda a canção. Eles, às vezes, se perdiam dos meus. Mas sabia ser em nome da emoção que sentia ali. Então eu me contentava.

As mesas em volta de mim iam pouco a pouco se esvaziando. As horas iam passando. Aquele piano continuava lá. Aquele moço continuava lindo. E eu continuava a ouvi-lo.

De repente, pois que pareceu um piscar de olhos, a melodia findou-se. E poucas vozes tomaram conta do silêncio.

Eu, que só o ouvia, me tornara alheia a qualquer outro som daquele lugar. Naquela noite.

Era pra ser só meu aquele momento. Quisera ter sido. Antes de vê-lo. Antes de ouvi-lo.

Mais que a ele, eu vi a paixão. E a ouvi tocar para mim. Embalar meu desejo em ser dele naquela mesma noite. Cada pedaço à mostra ou escondido de mim.

E quão insana me põe a paixão. Pude senti-lo bem ali, ao meu lado. Joelhos próximos aos meus. Perfume me inebriando. Desejo me entorpecendo.

Fechei os meus olhos, como o vira fazer, e pude sentir aquela sua presença tão forte, como se sentasse à mesa comigo. E ele bebia a mim, como ao líquido seco e intenso. Comendo-me como ao prato mais sofisticado que sua língua provara.

Sim, aquele moreno tão belo havia me tomado pra ele. Aquela paixão instantânea havia de ser para ele, ainda que ele jamais viesse a sabê-la sua.

Ouvi lhe chamarem Nicholas. Ouvi me apresentar para ele em segredo. Muito prazer, me chamo Luna. E senti-lhe beijar o meu rosto num cumprimento educado.

Mal sabia o quanto ansiava por um cumprimento a mais. Mal sabia o quanto eu queria apresentar-lhe meu corpo e os meus sons.

E por fim, a madrugada levou-me pra casa. Sozinha. E apaixonada...


Lai Paiva

3 comentários:

  1. doce e sensualmente instigante.
    uma ode a si mesma.

    o maior presente.



    bjsmeus

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  2. Você consegue fazer com que nos entreguemos ao seu poema e nos faz sentir na pele a emoção de cada palavra que diz.
    Simplesmente maravilhoso!!!!!!!!!
    Lai, você é maravilhosa.
    Beijos

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  3. Fê, obrigada querida. Vindo de alguém que tão bem escreve, é uma honra. Bj

    Manu coisa querida, que prazer imenso ser lida e apreciada por vc. Muito obrigada! Beijos mil

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