26 de janeiro de 2014

Sobre tempestade e o estar só


Sempre que chove através da minha janela eu me pego observando a rua lá fora. Livre dos transeuntes, completamente úmida e assustadora. Há quem ache somente linda a tempestade. Com aquela infinidade de sons peculiares, cheiro de terra molhada e ausência de cores. Sim, há uma beleza que não passa despercebida, mas há certo tom de melancolia e medo. Os trovões e relâmpagos que não nos deixam mentir, nem adormecer tranqüilos. A tempestade me inquieta. E conseqüentemente me inspira também porque tudo o que me inquieta me inspira e me transforma um pouco em palavras. Mas, em contrapartida, me amedronta ao ponto de me congelar, de me encolher embaixo do cobertor. Não por medo de me molhar, mas por medo de ser atingida, ferida. A solidão é exatamente assim. Uma tempestade de ausências barulhentas e opacas que atingem a gente. E que nos dilui. O estar só me põe líquida. E temerosa. Mas, da mesma forma, me inquieta ao ponto de me inspirar e impulsionar a minha escrita mais visceral, intimista. Põe-me como uma rua em dia de tempestade. Vazia de transeuntes. Com os mesmos trovões e relâmpagos. Uma sonoridade que ninguém ouve. Raios que ninguém vê. É bem assim. O estar só é tão chuvoso. A tempestade é tão solitária. E nesse misto de melancolia, beleza e medo, através da minha janela ou dos meus olhares, o estar só vai chovendo dentro de mim, e vou então trovejando pra ver se me ouvem...


Lai Paiva




19 de janeiro de 2014

Sobre crepes e alguém para amar


Hoje eu amanheci saudosa. Não de alguém específico, como, geralmente, se é acometido de saudade, mas do último crepe que comi. Por fora ele era como a maioria. O que me fez escolhê-lo foi o recheio. Uma promessa implícita de uma delícia impagável. E eu acho que recheio é tudo. Prefiro muito mais o que vem por dentro. Não adianta vir com beleza exterior, que meu olhos e meu paladar estão alheios à isso. E o último crepe que comi era maravilhoso no que concerne ao recheio. Camarões, manjericão, tomate pelado e abacaxi. Uma combinação irretocável. Grande escolha a minha! Mas acho engraçado isso de escolher crepes. Fico imaginando(e imaginar coisas é algo que muito me apetece) aquele momento da escolha, e é quase pra mim como se estivesse a escolher alguém para amar. E eu também escolho as pessoas pelo recheio convidativo que elas têm. Um recheio diferente, com um toque especial de algo que me conquiste, uma combinação peculiar, que me pareça afável, saborosa à minha alma. Confesso que algumas vezes eu me engano e me frustro na escolha. Mas quem nunca escolheu um crepe com ingredientes divinos e quando o experimentou deu-se conta de que não era nada do que esperava? Já escolhi pessoas e amei algo nelas que, na verdade, não era nada do que eu havia me convencido de que era. Foi a tal da propaganda enganosa, como vemos também em alguns cardápios. Só que nesse caso não há devolução do valor ou substituição do prato. A gente paga com o amor que dedicamos. E, uma vez amado, não se tem o amor de volta. O prejuízo é maior. Bem maior e indigesto. Por isso, eu queria acertar mais nas minhas escolhas amorosas tanto quanto geralmente acerto nas escolhas dos crepes. E que de fato crepe de camarão, tomate seco e ricota seja sempre tão saboroso quanto deve ser, e as pessoas,  realmente amáveis pelo que trazem por dentro. Porque por fora todo crepe é praticamente igual. O que ultrapassa a massa base é o que me ganha. Eu quero mais é alguém que traga atrás da pele algo que mereça a minha escolha sem me frustrar, pra que possamos saborear o amor juntos, com ingredientes que se combinam entre si e dão deliciosos resultados.


Lai Paiva


11 de janeiro de 2014

Sobre Sapatos e Livros


Quase todas as pessoas têm desejos invencíveis por comprar determinadas coisas. É a tal da compulsão. Eu, feliz ou infelizmente, não passo alheia à este grupo. E, reconheço, sem querer ser extremista, mas sendo obrigada a sê-lo, que um grande percentual da população mundial está nesse exato momento comprando algo, e no momento seguinte também, e no outro, e no outro, e no outro. Porque estamos todos sempre buscando algum tipo de prazer e a compulsão oferece muito, muito, muito prazer. Embora, algumas vezes, seguido de algum sentimento de culpa. Eu, por exemplo, posso perfeitamente passar por qualquer vitrine sem ser tomada por um desejo insano de comprar, exceto se for de sapatos e de livros. É definitivamente impossível me abster de comprá-los. Livros e sapatos fazem meus olhos brilharem, minha respiração ofegar, meu coração disparar. Como paixão à primeira vista. E daí eu sempre acabo sucumbindo às compras. Tenho tantos livros quanto sapatos. Sapatos lindos. Livros maravilhosos. E percebo que há uma relação interessante entre eles. É como se os sapatos me propiciassem caminhos diferentes, me impulsionassem a seguir, a descobrir trajetórias. E enfeitassem os meus passos. Os livros, por sua vez, também põem caminhos diferentes à minha frente. E eu os escolho conforme a beleza transcrita, o encanto, o momento. Pra cada lugar que eu vou, um sapato diferente nos pés. E a escolha não é aleatória. É um pouco instintiva e intencional ao mesmo tempo. Mas a questão é que eles sempre me levarão à algum lugar. Descalça eu não vou à lugar algum. Eu não avanço. Com os meus livros a relação é a mesma. Eu os escolho ao folheá-los, pela impressão das orelhas, da capa, da contra capa, pela sensação que despertam em mim nesses instantes. Eles me conquistam pela oferta implícita de me fazer avançar por algum caminho do qual eu hei de regressar, certamente, escrevendo as minhas próprias palavras. Então é por isso que, vez ou outra, eu me pego reorganizando meus armários em busca de mais espaço para acomodar meus sapatos e livros. E a gente segue vivendo essa relação cúmplice uns com os outros. Eu, meus sapatos e meus livros. E, talvez, se os outros compulsivos pudessem enxergar a compulsão alheia, eles me dariam as mãos e me acompanhariam para mais uma compra. Dessas de empobrecer a conta bancária, mas de enriquecer os meus pensamentos frutíferos.


Lai Paiva


5 de janeiro de 2014

Quanto ao Tempo


Quanto tempo dura a paixão? Quanto tempo dura uma paixão? Uma fase da lua? Um poema? Uma xícara de café? Uma hora? Um encontro? Uma vida inteira? De quantas paixões somos feitos? Por quantas paixões somos desfeitos? Quando exatamente começa? No olhar, no beijo, ou no toque despretensioso? E o que leva a paixão a nos levar à um completo e maravilhoso estado de torpor? As substâncias que liberam no nosso organismo, ou o cheiro da outra pessoa? Adianta se esquivar da paixão? Há como tornar-se imune? Vive-se bem sem experimentar esta perigosa armadilha sentimental? Não seria mais seguro jamais apaixonar-se? Mas não seria o maior descontentamento jamais prová-la? Porque as pessoas não podem se apaixonar umas pelas outras no mesmo instante? Sem que haja solidão e saudade não correspondida. Porque a paixão não pode nos salvar ao invés de nos pôr em risco assim? Porque é tão quente e tão somente ela, a paixão, pode nos aquecer por dentro? Porque dói tanto apaixonar-se sozinha? O que leva alguém a fingir-se apaixonado para despertar a nossa paixão sem se preocupar com as lacunas que deixará? O que pensa a paixão pra chegar sem avisar e ficar pelo tempo que deseja, mesmo contra nossa vontade? Quem a paixão pensa que é? O que ela finge tão bem ser? Ah, mas que delícia vivê-la, mesmo que como um completo engano. Mesmo que seja um erro, ou a loucura mais insana. Eu não saberia viver sem apaixonar-me. A paixão não saberia ser se não fosse minha. Os desenganos fazem parte. Toda doçura em algum momento causa dissabor. Justamente com a paixão não poderia ser diferente. Não cabe à nós escolher o momento certo, a pessoa apropriada. Porque simplesmente não existem. O momento será aquele que não é aguardado. A pessoa será aquela que só existe na nossa cabeça. Nada é tão impróprio como apaixonar-se. Mas o que seria do deitar à noite pra dormir e passar os quinze minutos antes do sono chegar pensando naquela pessoa por quem se está apaixonada? Quer saber? Eu não estou mais apaixonada por ninguém, vale salientar, mas me senti impulsionada a escrever sobre esse sentimento avassalador, sob recordações da minha última paixão. Uma paixão que levou embora a vontade de continuar apaixonada, mas deixou a vontade de, algum dia, daqui a algum tempo, tornar a me apaixonar de novo. Nem que seja platonicamente, por uma questão de segurança. Quem sabe...


Lai Paiva

1 de janeiro de 2014

Sobre metas



Isso de traçar metas no primeiro dia de um novo ano ainda pode nos levar longe. Eu, por exemplo, sei bem aonde quero ir e onde quero chegar. Tenho planos. Diversos planos. Coisas simples e outras nem tanto. Este ano eu quero trabalhar muito. E vou! Quero aprender um pouco mais a cada dia. E ser desafiada sempre, porque eu gosto de vencer desafios. Eu me alimento deles. Quero ajudar pessoas. Ajudá-las a falar mais dos seus anseios, dos seus receios, do que trazem dentro de si. Quero fazer o bem. Doar coisas materiais, mas, acima de tudo, meus sentimentos mais nobres. Quero sentir mais precisamente que Deus sempre esteve aqui, bem ao meu lado. Quero acompanhar o meu filho mais de perto, impulsioná-lo a buscar o que há de melhor pra ele. Quero alcançar uma solitude que me conforte, dando lugar à solidão aflitiva de outrora. Quero me bastar. Quero aprender a dirigir, tirar a habilitação e comprar meu primeiro carro. Dirigir sem medo e sob as canções das quais mais gosto. Quero fazer um curso de fotografia e sair por aí perseguindo paisagens pra fotografar. Quero cuidar mais do meu corpo, com atividade física e me esquivando de estresses desnecessários. Quero me tornar menos ansiosa e mais esperançosa. Quero deixar pra trás um amor que não era pra seguir adiante, uns desejos que não deram certo, uns sorrisos roubados. Quero não perder o dom de preparar saladas maravilhosas, nem de escrever sobre o que sinto. Quero manter por perto aqueles que me fazem bem. Quero cantar sem que ninguém me ouça. E cuidar dos meus cactos, elogiando a graciosidade deles sem ser vista. Quero ouvir segredos e contar os meus. Quero ler todos os livros que comprei e ando comprando compulsivamente. Quero manter meus 60kg com saúde. Quero dormir noites inteiras sem acordar pra fazer xixi. E acordar maquiada pra ir trabalhar mais bonita. Quero mais pão de queijo e menos coca zero. Quero mais encontros com minhas melhores amigas. Em 2014 eu quero dois mil e quatorze novas oportunidades de acreditar mais em mim e nos outros. Pra que a vida seja mais leve e mais colorida. E quero ver a felicidade estampada nos lábios de todos. Então, que venha a realização de tudo isso. Temos 365 dias para tal!


Lai Paiva