30 de junho de 2013


Já amei tudo o que tinha pra amar-te
Já desejei todo o desejo pra ter-te
Já sonhei o suficiente pra viver-te
Já escrevi poesias mil pra cuidar-te
Já esperei tempo demais pra ser-te
Já doloridas vezes perdoei-te
Já me acabei por recomeçar-te
Já inúmeras vezes odiei-te
Já definitivamente desamei-te
Já não há mais nós, acabei-te

Lai Paiva



28 de junho de 2013

Tempo, tempo, tempo


No tempo certo
Tempo ao tempo
As horas que foram
Trarão novos dias
Instantes mais novos
E longe do agora
Que aqui onde estou
Minuto a minuto
Eu conto os ponteiros
Pro dia que avisto
Nascer mais suave...


Lai Paiva

23 de junho de 2013

Sobre Cebola e Desilusões


Sempre detestei cebola. A textura, o cheiro, o gosto. E acho que estou inclusa numa grande parcela da população mundial que compartilha do mesmo dissabor. A cebola é realmente digna de desaprovação. E eu não poderia poupá-la de tal. Quem manda ser ruim? Tão ruim que faz chorar quem a corta, manuseia. Com as desilusões acontece o mesmo, só que, ao invés de as cortarmos, elas é que nos cortam, mas choramos, assim como quando cortamos cebolas. As desilusões são ácidas, as cebolas, também. São ambas indigestas. De gosto duvidoso e de efeito exato. A cebola marca o sabor das coisas. Contamina, se sobressai sobre qualquer outro ingrediente. As desilusões, também.  Elas anulam os sorrisos dos lábios, ocultam os suspiros de leveza, danificam a motivação e o ânimo. Sobressaem-se até mesmo entre os mais fortes. Não há como uma receita, que contenha cebola, ficar imune ao seu gosto forte. Não há como se imunizar contra as desilusões, por mais que tantas outras já tenham sido vividas. Nenhuma papila digestiva está aberta para recepcionar aquele sabor. Nenhuma alma está aberta para desiludir-se. Acontece. Acontece de pegarmos de surpresa um pedaço de cebola no meio de uma fatia de torta salgada e nos desencantarmos daquilo que estava tão bom. Acontece de, no meio da felicidade, encontrarmos uma desilusão, que já estava lá, no meio de tudo, escondida, à espera de ser descoberta. E aí é como cortar cebolas. Lágrimas ácidas e cheiro característico. Aquele cheiro que a tristeza tem. Por outro lado, apesar de detestar cebola, e, obviamente, desilusões, preciso ser franca. Não sei se foi por causa do poder de persuasão que talvez a cebola tenha, ou por algum outro motivo que eu desconheça, mas preciso afirmar que adoro bife acebolado. Como assim? Não sei. É claro que, depois de preparado, eu tiro as rodelas de cebola de cima pra me deliciar. E me delicio. Assim, como quem ama cebola. É um momento antagônico. Quem o observa, certamente pode afirmar que eu sou fascinada por cebola, tamanha a minha avidez por aquele prato. Mas a verdade é que eu odeio cebola, só que eu adoro esse prato que a contém e que foi contaminado pelo seu sabor e cheiro. Percebo que com certas desilusões acontece o mesmo. Como se fosse uma desilusão pro bem. Um divisor de águas. A partir daquela desilusão, tudo será melhor. Era preciso vivenciá-las, ou melhor, sofrê-las, para alcançar o bem almejado. Porque as desilusões ensinam, fortalecem, quando não matam. Sim, discordo de quem afirma que se viveu uma ou outra desilusão. Não se as vive. As desilusões matam. Mesmo quando ainda permanecemos vivos por um longo tempo. Elas são marcantes, assim como a cebola. Ninguém quer desiludir-se, mas, às vezes, mesmo sem entendermos naquele momento, é necessário, pra dar outro sabor aos dias. Como a cebola, que, sem dúvida, deu um sabor diferente ao bife. Afinal, o que seria do bife acebolado se não fosse a cebola? Um mal, se assim posso chamar, necessário. Como certas desilusões. O que importa mesmo é o resultado final. Que tudo seja digestivo. O bife, a tristeza. Importante é sentir que as lágrimas que as desilusões fazem fluir serão momentâneas, que durarão apenas o tempo de cortar toda uma cebola. Mas que depois virão outros suspiros e outras delícias. Pras papilas digestivas e pra alma. Porque pra tudo há um propósito. Só precisamos descobrir. Eu só descobri que adoro bife acebolado depois de enfrentá-lo, de experimentá-lo, mesmo contra minha vontade. E descobri que algumas desilusões vieram pros meus dias pra que eu tivesse dias melhores ao passar por elas. Então eu resolvi enfrentá-las e experimentá-las, mesmo contra minha vontade. Porque, muitas vezes, nem tudo o que parece desgostoso o é totalmente. É só uma questão de sentir de outra forma.



Lai Paiva


18 de junho de 2013

Sobre Beijo e Chocolate



Pra certas coisas há outras coisas pra assemelhar. Dentre essas coisas pensei no beijo. Daqueles beijos de se querer beijar sem fim. Daqueles beijos de turvar os olhos e acelerar os batimentos cardíacos, a ponto de senti-los ecoar no peito de outro alguém. Um beijo de inflar os lábios, de umedecê-los, de causar calor e despertar amor. Um beijo de liberar substâncias mágicas, de correr o corpo e terminar na alma. De um sabor que não se esquece nunca. De uma textura de não querer largar. Assim como o chocolate. Posto na boca, por entre os lábios, como num beijo, causa leveza e encantamento por seu sabor. Age suave, mas com a certeza de inebriar a quem o toca. Aquele gosto, do mesmo gosto do beijo alheio, de um bem querer, que faz querer muito. Mais de um beijo, uma barra grande de chocolate. Branco ou preto. Ao leito ou amargo. Selinho ou de língua. Dado ou roubado. O mesmo arrepio. O mesmo suspiro. Pupilas dilatadas e o esquecer de respirar. Endorfinas que apaixonam. Sensação que vicia. Liberdade pra sentir-se bem. Um cheiro pra viver recordando. Saliva e cacau. Hálito e açúcar. Desejo e moderação. Calorias e derretimento. É o beijo derretendo o prazer por dentro. E o chocolate misturando os sentidos. Dedos marcados por tamanha delícia. Lábios que beijam esses mesmos dedos. Vestígios que fazem querer mais. A boca pra comer de novo. A língua pra amaciar seu tom. O olfato pra se enamorar. Uma barra inteira num instante único. Um beijo longo pra uma vida toda. E se estiverem juntos há de ser maior que os olhares digam. Um perturbando o outro. De um perturbar macio. De um transpirar gostoso. Uma mistura íntima de ingredientes pra um sentir incomum. Na boca de quem a boca der para ser beijada. Beijos como chocolates. Derretidos naquela vontade. Uma vontade de sentir por horas, de durar um século, aquela maravilha de proporcionar ao corpo o sair de si pra entrar no outro, enquanto os lábios forem aquelas doces margens, que permeiam o apreço misturado ali. E depois levam à saudade. Um voltar de novo a beijar profundo o beijo exato pro contentamento. O chocolate de outrora, que se tornou líquido no saborear de quem o devorou. Em seguida a ânsia pela redundância daqueles instantes de chocolate e beijo. Que é por cada um e pelos dois iguais que a boca pede já inebriada e tão desejosa de provar de novo a grandiosidade daquele efeito que só ambos causam, até pelo avesso, no minuto exato em que os lábios rendem-se àquela semelhança de entorpecer como quase nada há de fazer igual.



Lai Paiva


4 de junho de 2013

Sobre pessoas e palavras


Certa vez, não sei exatamente quando, como e nem o motivo, eu parei tudo e me perguntei se existem mais pessoas ou mais palavras no mundo... Desisti em seguida de pensar sobre isso. Foi então que preferi ater-me a encontrar as semelhanças entre elas. 
Todo dia nascem tantas pessoas novas, mas também morrem outras tantas. As palavras não nascem diariamente, eu acho, mas também não morrem frequentemente. Algumas palavras saem de uso, ou tornam-se raras. As pessoas, também. Saem de uso quando morrem. Tornam-se raras à medida que envelhecem, adoecem, perdem o vigor e a proatividade. As pessoas usam as palavras, mas estas, sem dúvida alguma, também as usam. Há quem tenha mais palavras em seu vocabulário usual do que pessoas em seu convívio. As pessoas falam demais. As palavras talvez falem ainda mais. As pessoas têm identidade, as palavras, também. Há pessoas semelhantes, pessoas plurais, pessoas singulares, pessoas simples e pessoas complexas. Assim como as palavras. As palavras são resultante da união de sílabas, que resultam da união de letras. As pessoas resultam da união/relação, mesmo que momentânea, de duas pessoas, ou da união de duas células, que corresponderiam às sílabas. Cada palavra carrega com ela o seu significado, ou os seus significados, a sua relevância, o seu valor. Ela é escrita ou falada com algum objetivo. E geralmente ela o atinge. As pessoas também têm os seus valores e sempre significam algo. Ninguém está aqui por acaso, ainda que algumas pessoas se sintam assim eventualmente. As pessoas são ricas. Ricas de tesouros internos. Uns descobertos, outros, ocultos. As palavras também. Quando explícitas, mostram logo porque ali estão, mas às vezes se escondem nas entrelinhas. Algumas pessoas também tendem a se mostrar pouco. Nos dois casos imagino que seja precaução ou embelezamento. Sim, pois fica bonito um texto em que se lê algo nas entrelinhas, se descobre algo que não foi descrito claramente. Com as pessoas também é assim. É mais atrativo ir descobrindo uma pessoa aos poucos. Pessoas enigmáticas podem ser preferíveis. Imagino uma pessoa sendo tratada como palavra de difícil pronúncia e grafia, que é preciso soletrá-la para escrevê-la corretamente. Letra por letra. Do início, lentamente, até o fim. A partir dos olhos, passando lentamente por cada parte falante do seu corpo, até os dedos dos pés. Domando o medo de errar. Absorvendo a certeza da escrita, ou da descrita. É excitante. As palavras são excitantes. Este não é um dom restrito às pessoas. Elas carregam tanto. Imprimem tanto. Uma mesma palavra pode ser doce ou amarga, depende apenas de quem a está escrevendo ou falando. Eu admiro a força que elas têm. As palavras. E as pessoas, claro. Há pessoas doces que escrevem palavras contundentes de forma irretocável. Assim como pessoas ácidas podem escrever palavras brandas. Na verdade é como se elas pincelassem as palavras, porque elas já têm aquela forma. O conteúdo, a personalidade é que é dada. Sim, as palavras têm personalidade. Eu sempre mantive uma relação muito estreita com elas. Mais que com as pessoas, confesso. As palavras me dão uma liberdade que ninguém me deu. Quando as escrevo eu posso ser eu mesma, sem pudor algum. Com as pessoas a gente sempre precisa se podar um pouco. Ninguém é completamente o que é, quando está com os outros, embora ninguém admita. Escrevendo, sim, a gente vira ao avesso. As palavras me usam e eu as uso, e ninguém sai perdendo com isso, como acontece quando as pessoas se usam. E eu sou consciente de que escrever é uma responsabilidade tamanha, pois é a referência que estou conotando em cada palavra. Embora ela já tenha o seu significado, eu, enquanto escritora, estou fortalecendo a sua imagem, o seu peso, o sentido que ela carrega. A emoção, o sentimento, a tradução. Poucas pessoas são abertas à moldar-se assim. Sim, é um risco. Podemos, todos nós, fazer mal uso das palavras e reduzi-las à nada. Podemos querer e tentar mudar algo nas pessoas que julgamos necessário, mas na realidade não são, e podem até torná-las menores do que são. As pessoas erram. Assim como as palavras podem se apresentar erroneamente. É a vida. A nossa e a delas. O bom é que estaremos juntos por todo o tempo. As palavras não vão deixar de existir antes das pessoas. E nem o inverso. Estaremos todos convivendo juntos. Passíveis de sermos escolhidos ou negligenciados. Até lá é melhor nos esforçarmos pra continuar causando uma boa impressão. As pessoas às palavras, e estas àquelas. Pois enquanto houver um último suspiro, haverá sempre a última palavra. 


Lai Paiva