3 de maio de 2015

Sobre a efemeridade das coisas amorosas


Uma hora a hora passa. O dia finda. Uma hora o chuveiro falha e aquele banho morno deles esfria. Uma hora aquele cheiro suave do abraço se perde. Uma hora aquela voz marcante não marca mais nada. Uma hora o sorvete do petit gateau derrete. Uma hora o café perde os pães de queijo para melhorá-lo. Uma hora as declarações de amor silenciam. Uma hora os e-mails apaixonados perdem suas letras e frases. Uma hora a lua cheia deixa de chamar atenção. Uma hora a conchinha do dormir de conchinhas vira pro outro lado. Uma hora o beijo não encontra a outra boca. Uma hora a pele não arrepia mais nem nas temperaturas mínimas. Uma hora o açúcar acaba e o bolo de laranja perde o sabor. Uma hora a sopa esfria e não dá mais para tomar. Uma hora o telefone pára de tocar. Uma hora as mensagens não chegam mais. Uma hora perde-se o último fio de contato. Uma hora a carona da manhã não chega mais. Uma hora não se ouvem mais as mais charmosas reclamações sobre o trânsito. Uma hora certas canções preferidas deixam de ser as preferidas. Uma hora a espera não faz mais sentido. Uma hora a gente entende porque certas pessoas não suportam a ideia de usar relógios. Uma hora a gente sente um aperto em algum lugar entre o tórax e o abdómen , que dá vontade de apertar mais ainda. Uma hora tudo que era real vira lembrança. Uma hora as pessoas deixam de ser pessoas para serem saudade. Uma hora a vida se atravessa no meio do viver e causa uma bagunça tamanha. Uma hora o romance se desconstrói. Uma hora a gente é obrigado a desconstruir tudo, inclusive as memórias. Uma hora a única coisa que vai restar é um último beijo, roubado, meio a contragosto, mas só pelo fato de saber-se o último. Uma hora estas horas alcançam os nossos ponteiros. Inevitavelmente...

Lai Paiva