27 de julho de 2011

De porcelana e de vida

* Para minha querida amiga de longa data e de todo o sempre, Tati Ward


Das brancas nuvens no alto, o tom da pele daquela garota aparentemente delicada e de terna beleza. Os olhos expressivos silenciam desejos só dela. As lágrimas que, por vezes, os inundam, exprimem as ausências do que nem mesmo sabe enunciar. Outras vezes, chora suas emoções e comoções diluídas. Os sorrisos anunciam as alegrias momentâneas, aquelas que lhe são tão almejadas e vivenciadas. E são cintilantes os seus sorrisos. E apreciáveis as suas alegrias. Sua voz é adocicada, macia. Suas palavras são sábias e aveludadas. Bem elaboradas e bem ditas. Acarinham e acolhem mesmo aqueles que não as merecem. Sua generosidade doa afeto a quem a rodeia. E ela nem espera algo em troca.

Lívia é uma garota incomum. De uma força presente e tímida. De muitas qualidades à mostra. Tem talento pra amar. E tendência a ser amada. Ama com a certeza que lhe falta acerca do amar dos outros. Seus gestos são exatos e convincentes. Quando e o que ela toca se enche de cor e de música. Seus sentimentos são exclusivistas. Para cada pessoa, um sentir diferente. E para todas elas a mesma entrega. Não mede esforços em cuidar. Agrada sem fazer esforços. Encanta a quem se aproxima, se une, se mantém no convívio.

Sua beleza é extrema. Longos cabelos loiros lhe caem sutilmente nos ombros, e movimentam-se com a leveza das plumas. Seu corpo é esguio, harmonioso e acolhe tão bem quaisquer que sejam as roupas que lhe vista. E possui um charme despretensioso que lhe dá certo ar inocente peculiar. Em seu rosto, traços juvenis, porém bem atraentes. Muitos garotos encantaram-se ao longo de seus anos, apenas ao pôr seus olhares nos dela, naquela beleza tão dela.

Uma em tantas. Filha, amiga, irmã, esposa, profissional. Um ser humano rico em boas intenções, em grandes ações. Uma mulher especial.

Mais que isso, uma mulher sempre em busca. Ávida por encontrar-se nos seus dias. Presente nas suas realizações. Certa do que sonha. Contente com o que tem.

Lívia é humana e vive aqui entre tantos. Atrás de sua camada branca, uniforme, há um coração pulsando rápido, por ansiedades gritantes, há um estômago ardendo forte, por angústias enérgicas. Há incertezas fluindo na corrente sanguínea. E muito querer nos suspiros frenéticos.

Sim, ela vive. Intensamente. Como só sabe ser. Mesmo quando se ausenta do tempo, quando se reclusa em seu sono contínuo, numa espécie de fuga dos instantes, ela vive nas lembranças, nas saudades, nas expressões dos seus amigos, dos seus parentes, dos seus amores. De todos eles.

Pois que onde ela passa, planta o amor em cada jardim, e sempre volta pra colher suas flores. Flores de porcelana e de vida.

Lai Paiva


Ansiosa


Ansiava cada segundo das suas horas. Desesperadamente. O tempo passava, os momentos findavam e ela já estava a esperar por outros. Outros que nem sabia quais. Tinha urgência em viver. Tinha pressa em chegar a algum lugar. Sentia demasiadamente. Sentia na pele, no corpo inteiro. Arrepios, tremores, suores, lágrimas, silêncio. Escrevia o que não sabia sentir. Descrevia o que não vivia. Inventava histórias que apreciava. Encantava-lhe a facilidade de criar os personagens que seus olhos viam onde não existiam. Sua cabeça era um imenso jardim e um imenso deserto, a critério do acaso. Tanto a dizer e calava. Tanto a sentir e implodia. Tanto a viver e dormia. A ânsia lhe alimentava e lhe dava fome. Mas lhe movia. Mal sabia se era a própria ansiedade em pessoa, ou se a ansiedade era ela materializada. Ambas se misturavam. E seguiam juntas... Dia a dia.

Lai Paiva

25 de julho de 2011

Declaração do amor maior





Admiro
Ternamente
Beijo
Encantadamente
Abraço
Acolhidamente
Amo
Docemente
Cuido
Carinhosamente
Quero
Para sempre
Vivo
Felizmente
Por tê-lo
Meu filho
(Yago)


Lai Paiva

24 de julho de 2011

Plural


Sou de uma pluralidade explícita.
Não tenho pudor algum em ser quem sou,
Ainda que não queira sê-lo.
Não quero ser indiferente à ninguém.
Devo ser amada ou odiada, é certo.
Mas sempre despertando algo nos outros.

Lai Paiva

23 de julho de 2011

Sobre ontem à noite...



(Auguste Rodin)


Odores teus
Excitando os meus
Suores meus
Lambendo os teus
Olhares teus
Comendo os meus
Sussurros meus
Chupando os teus
Movimentos teus
Penetrando os meus
Gemidos meus
Despertando os teus
Prazeres teus
Conduzindo os meus
Descanso meu
Repousando o teu...


Lai Paiva

22 de julho de 2011

Às vezes...



(Amanda Cass)


Às vezes sou tudo
Às vezes sou nada
De tudo sou um pouco
Em nada sou idêntica
Por vezes sou só eu
Outras, todas nós
E só sei que seria
Aquela que não sou
Se assim fosse mais
Mais bem vista por mim...

Lai Paiva

19 de julho de 2011

Sentir de estômago



(Amanda Cass)




Sempre ouvi por aí as pessoas dizerem que sentem com o coração. Amam de coração, adoram de coração. Coração apertado de saudade, coração pequenininho por alguma sentimentalidade. Aumentam e diminuem as dimensões de seus corações como se estivessem a desenhá-lo a cada situação de alegria ou tristeza, de perda ou ganho. Algumas pessoas, as ditas mais bem resolvidas, mais experientes, dizem “mandar” nos seus corações. Escolhendo quem entra e quem sai, o que guardam lá, o que tiram de lá. Como num grande espaço público em que um ticket dá acesso livre. Um ticket que, na maioria das vezes, se dá em troca de algo, outras, se ganha. E assim movimentam seus corações como se fosse necessário este movimento para se sentirem vivos.

Sim, é romântico e bonitinho dizer que sentem com o coração. Soa melhor, enfeita melhor as declarações de amor, de carinho, de amizade. Mas meu coração não passa de um órgão vital desprovido dessa função sentimental tão anunciada. Eu sinto mesmo é com o estômago. Sinto amor, paixão, saudade, medo, raiva, ansiedade, tudo. Sinto bem ali naquela bolsa de paredes ferventes. Num misto de dor e prazer. Seja bom ou ruim, grande ou pequeno, forte ou ameno, meu sentir sempre nasce e morre lá. E aí meu estômago pulsa, arde, grita.

Não, o nome disso não é gastrite. É viver intensamente, sentir exacerbadamente. Assim como cabe a mim, como sempre coube. E assim será sempre...



Lai Paiva

18 de julho de 2011

No tempo de ser, o tempo é


Datava vinte e seis de fevereiro aquela manhã em que o sol parecia trazer consigo todo o brilho de todas as demais manhãs dos meses seguintes. De uma luminosidade especial, que poderia orientar cada passo, cada ação, cada pensamento, sem que houvesse a mínima possibilidade de anoitecer antes da hora exata.

Ouviram-se pela primeira vez meio por acaso, naquela manhã, com suas vozes misturadas a outras, em meio a assuntos diversos e nada intimistas. Num encontro entre amigos, um almoço, nada mais. Sendo assim, não viriam a colher informações um do outro naquele momento. Momento inoportuno, porém determinante para que viessem a encontrar os olhos um do outro pela primeira vez, ainda que despretensiosamente.

Alba vestia um longo e fluido vestido florido, o qual deixava à mostra seu colo e seus ombros sutilmente pincelados de um marrom médio contrastante com as claras cores que trajava.

Nos pés, sandálias rasteiras, num rosa claro, mesma cor que moldava as maçãs de seu rosto. Longos brincos davam um charme desconfortante aos seus movimentos.

Nos lábios, uma cor nude lhe caia tão bem quanto aquele corte de cabelo que os fazia pousar em seus ombros nus. Um convite a olhares alheios.

Teodoro parecia vestir apenas aquele perfume marcante, másculo, que se sobressaía sobre todos os outros cheiros. Tinha traços harmoniosos e corpo definido, sem grandes excessos. Mãos de dedos medianos e unhas bem cortadas. A barba, sedutoramente por fazer.

Seus olhos eram de um negro atraente. Intrigantes e atrativos. Bem delineados, bem bonitos.

Falava como quem recita versos, ouvia com a atenção de quem ouve a si mesmo. Educado e gentil como poucos. Lindo como só ele.

As horas passaram e o encontro findou-se. Os olhares partiram. Num breve instante pra eles.

Dali em diante alguns meses os separaram. Separaram mais precisamente aquele interesse nascido no piscar de olhos de cada um. E eles simplesmente deixaram o acaso conceber outro encontro, se assim haveria de ser. Sem nada fazer.

A espera é menos árdua quando não se abraça a ela.

Assim, um ano inteiro levou cada um para onde não estava o outro. E eles tão somente foram.

Exatamente um ano e um mês após aquele primeiro encontro, se é que poderia chamá-lo assim, Alba pousa seu olhar contornado por uma euforia sem tamanho naquele que tão presente esteve em sua lembrança insistente.

Teodoro parecia ter parado o tempo. Continuava expressivamente lindo, como o guardou em seus pensamentos reincidentes. O tempo parecia de fato não ter passado, embora sentisse que sim, que tantos dias, tantos meses, os mantiveram distantes.

Ela percebeu enfim que pensar em alguém definitivamente não o traz pro seu abraço saudoso.

Caminhou nervosamente, em cima de saltos altos que torneavam ainda mais as suas pernas, ao encontro daquele que a deixava deliciosamente desconcertante.

Por uma fração de segundo relutou. Não por nada, mas por sentir-se insegura acerca da roupa que vestia, do perfume que usava. Queria estar convincentemente linda. Para fazê-lo ficar, desta vez.

Ele a olhou com surpresa e desejo. Beijou-lhe com lábios entreabertos, bem próximos à ponta da orelha, o que a fez ouvir seu suspiro e sentir o cheiro provocativo de seu hálito.

Trocaram algumas palavras que acabaram por se perder em meio aos olhares de um para o outro. Olhares mais íntimos que da outra vez. Olhares intencionais. De uma mesma intenção. De um mesmo entendimento. Falar nunca foi tão dispensável, ainda que tivessem esperado tanto ouvir um ao outro de novo, ainda que suas vozes fossem dotadas de uma musicalidade presenteável.

Queriam um ao outro. E o tempo de sê-lo.

Puseram-se a caminhar pelas ruas que os levariam a casa dela. Um ao lado do outro. E suas almas de mãos dadas. Seus cheiros se misturando. Talvez imaginassem os instantes seguintes exatamente como queriam. E talvez eles viessem a ser. Na dúvida, preferiam seguir adiante. Sem perder de vista o acaso que se voltou para eles.

Se a alegria tivesse algum som, a cidade inteira a ouviria dali. Alta e clara.

No pensar de cada um a certeza do que queriam. Pra essa certeza o momento exato era aquele.

Ao chegarem à casa de Alba, entraram, puseram-se de frente um ao outro e se olharam novamente. Não disseram nada, mas sentiram juntos, é bem certo, que a vida começa quando eles decidem vivê-la.

E ali era o começo de tudo. E seria por quanto durar o pra sempre...

Lai Paiva

15 de julho de 2011

De madrugada, café e sentir


A noite havia chegado como quem chega sem avisar. As horas corriam livres, despretensiosas, sem compromisso de chegar a algum lugar. A lua guardava seu encanto lá longe, lá nela. Aquele encanto inebriante já dito, ouvido, inspirado. E a madrugada aproximava-se, inevitavelmente, desfilando seu frio, sua ausência de som, de cor. Sem voz, sem tato.

Zaira esperava cada madrugada como quem tem um encontro marcado. Esperava por cada minuto. Esperava na companhia de xícaras generosas de café, no intuito de mantê-la excitada. Bebendo cada uma delas como quem bebe a noite na esperança de que logo se vá.

Caminhava até a janela de seu quarto na intenção de sentir a noite ir embora. No desejo de despedir-se silenciosamente. Beijando-lhe a face que não tinha e sussurrando em seu ouvido imaginário um adeus adocicado.

Vestia-se de ansiedade. De modo que suas mãos tremiam, seu corpo suava, seus olhos dilatavam-se. Era de uma loucura fascinante aquela espera. E de uma eternidade inquietante.

O café molhava seus lábios tão carinhosamente. Parecia prepara-lhes para beijar o tempo lá fora. Descia-lhe acariciando seu íntimo. Perfumando cada cantinho de si. Como se fosse possível que pudessem sentir seu cheiro, seu gosto.

Não havia ninguém ali além dela. Nem era preciso, nem esperado. Ela gostava e queria estar só. Aquelas madrugadas eram só dela. Ninguém poderia vivê-las assim, com tamanha cumplicidade.

E entrava numa espécie de transe quando se percebia dentro daqueles instantes, depois da zero hora. Algo indescritivelmente prazeroso. De um prazer singular.

A partir dali, nada mais importava, nada mais a tomava. Não era de mais nada, nem ninguém. Não queria mais nada.

A partir dali, era apenas ela e o seu sentir. Seu sentir silenciado.

E sentia como quem sente que não lhe restará mais madrugadas assim. Ainda que já as estivesse sempre esperando...


Lai Paiva

14 de julho de 2011

Nua...


(Torso de Adele, Auguste Rodin)



Nua
Das palavras que me vestem
Das amarras que me podam
Num corpo nu sem sentir
Sem verso e sem prosa
De curvas à mostra
Me mostro inteira
Metade à metade de mim
Que escondo nas linhas que visto...


Lai Paiva

12 de julho de 2011

Lina e o mar



Com os pés cansados de caminhar por entre suas lembranças, sentou-se na areia branca daquela mesma praia onde sempre buscara o ar quando este lhe faltava. Pés descalços, livres, como não estava o seu pensar. Pensava com a mesma velocidade que vinham e voltavam as ondas. E seus pensamentos tinham o mesmo cheiro forte e inigualável do mar. Pensamentos vãos. Muitos e diversos. Úmidos, molhavam-lhe por dentro. Cada pedaço de si. Da alma. Por fora, na pele, aquele arrepio já conhecido. Aquele arrepio que a toma quando está só consigo. Lina às vezes misturava-se à cada grão daquela areia fina, de modo que mal sabia aonde estavam os pedaços de si. E as águas a levavam embora, como numa espécie de dança. Depois a traziam. Ela ia e vinha. Às vezes ficava, outras, voltava. Mas sempre queria estar ali, pois que lá, assim, misturada ao mar, ela sabia que não estava só, como de fato estava.

Lai Paiva

À Thi...


(Amanda Cass)



Querer o que é meu
Meu querer demais
Demais pra dizer
Dizer sem falar
Falar sem medir
Medir com o olhar
Olhar com vontade
Vontade de ter
Mais que um bem
Mais que o querer...

Lai Paiva

7 de julho de 2011

Colho o que planto de mim



(Salvador Dali)


Plantei um sentir assim
Ousado, calado, tão meu
Sabor de gostar de mim
Cheiro de não sei de quê
Grandeza pra não se medir
Um sentir que por mim se faz
De um tanto que não sei dizer
Um tanto demais de gostar
Gostar até não poder...

Lai Paiva

4 de julho de 2011

De madrugada...






Me desfaço nas madrugadas
E em cada pedaço de mim
Vai tanto que nada sei
Daquilo que permanece aqui
E bebo minhas porções
Fingindo saber quem sou
Pra não me perder de vez
Das linhas que nessas horas
Descrevem as horas minhas...

Lai Paiva


3 de julho de 2011

Pra mim...



(Amanda Cass)


Pros receios, olhos fechados
Pros anseios, lábios secos
Pros desejos, rubor facial
Pras angústias, estômago gritante
Pras perdas, ganhos futuros
Pras lágrimas, risos roubados
Pra tudo, um pouco
Pra mim, eu...

Lai Paiva



2 de julho de 2011

Metade...





Metade sou eu
Metade, nem sei
Talvez venha a saber
Ou talvez seja sempre estranha
Talvez nem queira saber
Que nome e que gosto tem
Essa outra metade de mim...

Lai Paiva