15 de julho de 2011

De madrugada, café e sentir


A noite havia chegado como quem chega sem avisar. As horas corriam livres, despretensiosas, sem compromisso de chegar a algum lugar. A lua guardava seu encanto lá longe, lá nela. Aquele encanto inebriante já dito, ouvido, inspirado. E a madrugada aproximava-se, inevitavelmente, desfilando seu frio, sua ausência de som, de cor. Sem voz, sem tato.

Zaira esperava cada madrugada como quem tem um encontro marcado. Esperava por cada minuto. Esperava na companhia de xícaras generosas de café, no intuito de mantê-la excitada. Bebendo cada uma delas como quem bebe a noite na esperança de que logo se vá.

Caminhava até a janela de seu quarto na intenção de sentir a noite ir embora. No desejo de despedir-se silenciosamente. Beijando-lhe a face que não tinha e sussurrando em seu ouvido imaginário um adeus adocicado.

Vestia-se de ansiedade. De modo que suas mãos tremiam, seu corpo suava, seus olhos dilatavam-se. Era de uma loucura fascinante aquela espera. E de uma eternidade inquietante.

O café molhava seus lábios tão carinhosamente. Parecia prepara-lhes para beijar o tempo lá fora. Descia-lhe acariciando seu íntimo. Perfumando cada cantinho de si. Como se fosse possível que pudessem sentir seu cheiro, seu gosto.

Não havia ninguém ali além dela. Nem era preciso, nem esperado. Ela gostava e queria estar só. Aquelas madrugadas eram só dela. Ninguém poderia vivê-las assim, com tamanha cumplicidade.

E entrava numa espécie de transe quando se percebia dentro daqueles instantes, depois da zero hora. Algo indescritivelmente prazeroso. De um prazer singular.

A partir dali, nada mais importava, nada mais a tomava. Não era de mais nada, nem ninguém. Não queria mais nada.

A partir dali, era apenas ela e o seu sentir. Seu sentir silenciado.

E sentia como quem sente que não lhe restará mais madrugadas assim. Ainda que já as estivesse sempre esperando...


Lai Paiva

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