18 de julho de 2011

No tempo de ser, o tempo é


Datava vinte e seis de fevereiro aquela manhã em que o sol parecia trazer consigo todo o brilho de todas as demais manhãs dos meses seguintes. De uma luminosidade especial, que poderia orientar cada passo, cada ação, cada pensamento, sem que houvesse a mínima possibilidade de anoitecer antes da hora exata.

Ouviram-se pela primeira vez meio por acaso, naquela manhã, com suas vozes misturadas a outras, em meio a assuntos diversos e nada intimistas. Num encontro entre amigos, um almoço, nada mais. Sendo assim, não viriam a colher informações um do outro naquele momento. Momento inoportuno, porém determinante para que viessem a encontrar os olhos um do outro pela primeira vez, ainda que despretensiosamente.

Alba vestia um longo e fluido vestido florido, o qual deixava à mostra seu colo e seus ombros sutilmente pincelados de um marrom médio contrastante com as claras cores que trajava.

Nos pés, sandálias rasteiras, num rosa claro, mesma cor que moldava as maçãs de seu rosto. Longos brincos davam um charme desconfortante aos seus movimentos.

Nos lábios, uma cor nude lhe caia tão bem quanto aquele corte de cabelo que os fazia pousar em seus ombros nus. Um convite a olhares alheios.

Teodoro parecia vestir apenas aquele perfume marcante, másculo, que se sobressaía sobre todos os outros cheiros. Tinha traços harmoniosos e corpo definido, sem grandes excessos. Mãos de dedos medianos e unhas bem cortadas. A barba, sedutoramente por fazer.

Seus olhos eram de um negro atraente. Intrigantes e atrativos. Bem delineados, bem bonitos.

Falava como quem recita versos, ouvia com a atenção de quem ouve a si mesmo. Educado e gentil como poucos. Lindo como só ele.

As horas passaram e o encontro findou-se. Os olhares partiram. Num breve instante pra eles.

Dali em diante alguns meses os separaram. Separaram mais precisamente aquele interesse nascido no piscar de olhos de cada um. E eles simplesmente deixaram o acaso conceber outro encontro, se assim haveria de ser. Sem nada fazer.

A espera é menos árdua quando não se abraça a ela.

Assim, um ano inteiro levou cada um para onde não estava o outro. E eles tão somente foram.

Exatamente um ano e um mês após aquele primeiro encontro, se é que poderia chamá-lo assim, Alba pousa seu olhar contornado por uma euforia sem tamanho naquele que tão presente esteve em sua lembrança insistente.

Teodoro parecia ter parado o tempo. Continuava expressivamente lindo, como o guardou em seus pensamentos reincidentes. O tempo parecia de fato não ter passado, embora sentisse que sim, que tantos dias, tantos meses, os mantiveram distantes.

Ela percebeu enfim que pensar em alguém definitivamente não o traz pro seu abraço saudoso.

Caminhou nervosamente, em cima de saltos altos que torneavam ainda mais as suas pernas, ao encontro daquele que a deixava deliciosamente desconcertante.

Por uma fração de segundo relutou. Não por nada, mas por sentir-se insegura acerca da roupa que vestia, do perfume que usava. Queria estar convincentemente linda. Para fazê-lo ficar, desta vez.

Ele a olhou com surpresa e desejo. Beijou-lhe com lábios entreabertos, bem próximos à ponta da orelha, o que a fez ouvir seu suspiro e sentir o cheiro provocativo de seu hálito.

Trocaram algumas palavras que acabaram por se perder em meio aos olhares de um para o outro. Olhares mais íntimos que da outra vez. Olhares intencionais. De uma mesma intenção. De um mesmo entendimento. Falar nunca foi tão dispensável, ainda que tivessem esperado tanto ouvir um ao outro de novo, ainda que suas vozes fossem dotadas de uma musicalidade presenteável.

Queriam um ao outro. E o tempo de sê-lo.

Puseram-se a caminhar pelas ruas que os levariam a casa dela. Um ao lado do outro. E suas almas de mãos dadas. Seus cheiros se misturando. Talvez imaginassem os instantes seguintes exatamente como queriam. E talvez eles viessem a ser. Na dúvida, preferiam seguir adiante. Sem perder de vista o acaso que se voltou para eles.

Se a alegria tivesse algum som, a cidade inteira a ouviria dali. Alta e clara.

No pensar de cada um a certeza do que queriam. Pra essa certeza o momento exato era aquele.

Ao chegarem à casa de Alba, entraram, puseram-se de frente um ao outro e se olharam novamente. Não disseram nada, mas sentiram juntos, é bem certo, que a vida começa quando eles decidem vivê-la.

E ali era o começo de tudo. E seria por quanto durar o pra sempre...

Lai Paiva

3 comentários:

  1. Muito lindo!!!
    Adoro o jeito que vc descreve seus personagens! Muito bom, tão trivial mas tão apaixonante!
    Beijos.....

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  2. Inebriante, Laizinha...como sempre..:)
    Tati

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  3. Rezinha e Tati, meus amores, tão bom ser lida e apreciada por vcs. Beijos meus.

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