16 de janeiro de 2012

De verso em verso, o viver




Naquela tarde eu resolvi me apresentar a mim mesma, como se nunca antes tivesse me dito ou me enxergado ao me olhar refletida nos muitos espelhos pelos quais passei.
Precisava fazê-lo para não correr o risco de não me reconhecer em meio às tantas que há em mim.
Era um domingo chuvoso. O cheiro que a chuva trazia me tirava de onde eu estava, e conduzia os meus passos para dentro de mim. Então me pus embaixo das cobertas e voltei meu olhar só para mim, como nunca o fizera antes.
Chamo-me Macela.  Tenho nome de flor, mas sou feita de palavras. Umas tantas, entre muitas.
Escrevo mais que vivo. Vivo pra escrever. Escrevo e me sinto viva. Mais ou menos isso.
Os meus instantes terminam quando a inspiração começa. E me ponho a escrever. Tive e tenho muitas alegrias diluídas em versos. Muitos amores transcritos em linhas sentimentalistas, bem como os desamores, postos em linhas melancólicas. Mas não me importo em ter momentos ruins, momentos tristes, pois eu os transformo em poesia. Não que as desilusões sejam bem vindas, mas delas eu extraio versos tão apreciáveis quanto aqueles que me fazem sorrir.
O amor permeia a minha escrita, mas ele sempre me escapou ao findar-se a poesia. Como se de fato as minhas histórias tivessem de ser efêmeras para que outras viessem para serem vividas e escritas. E embora tantas pessoas tenham passado sem ficar, nunca me senti tão só, pois a solidão sempre me foi companhia e conduzia as minhas palavras, as vestia de versos e me impulsionava a escrever.
A paixão chegava e se esvaía também à medida que a descrevia e destinava.
A saudade em certos momentos deu uma leveza linda aos meus versos, noutros, os fez pesar expressivamente. Se não os tivesse escrito não os teria podido carregar.
As minhas amizades, sempre tão afáveis, eram como se dessem cor, sabor, tom, à minha escrita. E eu escrevia e escrevo para presentear, sendo pra mim tão importante o que escrevo. É onde pouso os meus sentimentos mais puros, mais intensos, mais significativos.
Os versos, muitas vezes, representam os beijos e abraços que eu deixei de dar, por não ter sido oportuno ou por terem se ausentando outros lábios, as maçãs de algum rosto, e outros braços.
Nunca me senti tão livre como quando escrevo. Sinto que prefiro escrever a viver. A escrita me faz sentir o que não deveria, me permite ir aonde meus pés não me levariam. Aonde eu não deveria chegar.
A escrita me permite fantasiar as horas que eu queria pros meus dias, os dias que eu queria pro meu viver.
Às vezes escrevo para não falar. Nunca o inverso. Poderia ter sido privada da capacidade de falar, nunca da de escrever. É como se as palavras fossem o ar que respiro, como se elas mantivessem em sintonia os meus sinais vitais, os meus sentidos.
Os meus sentimentos se harmonizam quando escrevo. A minha poesia imprime o que trago pelo avesso, por dentro, aonde quase ninguém chegaria, caso não escrevesse.
No papel deito os meus devaneios. Os meus segredos disfarçados de ficção. Os meus desejos maiores. As minhas experiências marcantes. E aquilo que não vivenciei, mas bem queria.
Escrevo pra mim aquilo que gostaria que me dissessem. Aquilo que gostaria que lessem ao olharem bem nos meus olhos, sem que fosse preciso pronunciar uma só palavra.
Escrevo pros outros. Pras pessoas que não conheço, para que saibam que naquelas linhas existe alguém vagando. Para que me achem bonita ou feia, boa ou má, mas que achem, simplesmente.
Escrevo pros meus amigos porque o amor que despertam em mim tem vida própria e me conduz a fazê-lo. Quando me dou conta, estou amando-os através dos meus versos livres.
Escrevo pros amores que tive e que tenho. Descrevo em versos o sentir que eles despertam em mim. Minhas declarações de amor silenciadas.
E quando escrevo e destino a alguém, já não é mais minha aquela poesia, mas sim do outro. E, mesmo sabendo que sendo deles, podem fazer dela o que bem queiram, eu sempre espero que a guardem, pois cada linha que escrevo leva um pouco de mim, de quem fui e de quem sou. Eu sempre estou implícita no mínimo que escrevo.
Sim, sou bem feliz assim, ainda que a minha escrita expresse em algum momento conote o contrário. Nada me faz sentir tão viva e contente que o ato de escrever. É nessa relação intima que preencho as lacunas que vão surgindo no meu percurso.
É com a escrita que me permito ser insana sem ser apontada.
É na minha poesia transbordante que me desnudo, me reconheço, me apresento e que sinto o meu sentir mais intenso. Mais que isso, é com a minha escrita que acarinho, afago, me desculpo, presenteio. Nos meus versos vão a minha mais pura essência, seja ela atrativa ou repulsiva.
Escrevendo, meu coração mantém-se mais vivo. E eu me mantenho mais firme e certa de quem sou e para que estou aqui. E eu estou aqui para escrever.
Palavra por palavra...
Por fim a noite chegou. A chuva cessou e, convicta de quem sou, acarinhei a mim mesma com uma pílula de tarja preta e me pus embaixo das cobertas, fechando-me à leitura, como se fosse um livro espesso, o qual se lê por etapas.
Fiquei alguns momentos quieta, até que o sono calou-me como ao fim de uma poesia. E eu descansei tranqüila nessas linhas que me acolhem...


Lai Paiva

Um comentário:

  1. Lindo o conto! Parabéns mais uma vez! Mas não seja como a Marcela... De viver somente para o mundo da escrita! Viva a vida real também! Ela também eh boa! E vc sabe bem disso! Esse mundo maravilhoso da escrita, que a Marcela vive, ela só vive nele, não pode fazer bem a quem vive num mundo igual ao nosso!!! Lai Paiva pode viver nos dois mundos! Ela sabe ser feliz em todos os mundos! Venha para o mundo real as vezes e deixe a Marcela no mundo dos contos, poesias, textos... Te amo, minha irma! Saudades...

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