4 de junho de 2013

Sobre pessoas e palavras


Certa vez, não sei exatamente quando, como e nem o motivo, eu parei tudo e me perguntei se existem mais pessoas ou mais palavras no mundo... Desisti em seguida de pensar sobre isso. Foi então que preferi ater-me a encontrar as semelhanças entre elas. 
Todo dia nascem tantas pessoas novas, mas também morrem outras tantas. As palavras não nascem diariamente, eu acho, mas também não morrem frequentemente. Algumas palavras saem de uso, ou tornam-se raras. As pessoas, também. Saem de uso quando morrem. Tornam-se raras à medida que envelhecem, adoecem, perdem o vigor e a proatividade. As pessoas usam as palavras, mas estas, sem dúvida alguma, também as usam. Há quem tenha mais palavras em seu vocabulário usual do que pessoas em seu convívio. As pessoas falam demais. As palavras talvez falem ainda mais. As pessoas têm identidade, as palavras, também. Há pessoas semelhantes, pessoas plurais, pessoas singulares, pessoas simples e pessoas complexas. Assim como as palavras. As palavras são resultante da união de sílabas, que resultam da união de letras. As pessoas resultam da união/relação, mesmo que momentânea, de duas pessoas, ou da união de duas células, que corresponderiam às sílabas. Cada palavra carrega com ela o seu significado, ou os seus significados, a sua relevância, o seu valor. Ela é escrita ou falada com algum objetivo. E geralmente ela o atinge. As pessoas também têm os seus valores e sempre significam algo. Ninguém está aqui por acaso, ainda que algumas pessoas se sintam assim eventualmente. As pessoas são ricas. Ricas de tesouros internos. Uns descobertos, outros, ocultos. As palavras também. Quando explícitas, mostram logo porque ali estão, mas às vezes se escondem nas entrelinhas. Algumas pessoas também tendem a se mostrar pouco. Nos dois casos imagino que seja precaução ou embelezamento. Sim, pois fica bonito um texto em que se lê algo nas entrelinhas, se descobre algo que não foi descrito claramente. Com as pessoas também é assim. É mais atrativo ir descobrindo uma pessoa aos poucos. Pessoas enigmáticas podem ser preferíveis. Imagino uma pessoa sendo tratada como palavra de difícil pronúncia e grafia, que é preciso soletrá-la para escrevê-la corretamente. Letra por letra. Do início, lentamente, até o fim. A partir dos olhos, passando lentamente por cada parte falante do seu corpo, até os dedos dos pés. Domando o medo de errar. Absorvendo a certeza da escrita, ou da descrita. É excitante. As palavras são excitantes. Este não é um dom restrito às pessoas. Elas carregam tanto. Imprimem tanto. Uma mesma palavra pode ser doce ou amarga, depende apenas de quem a está escrevendo ou falando. Eu admiro a força que elas têm. As palavras. E as pessoas, claro. Há pessoas doces que escrevem palavras contundentes de forma irretocável. Assim como pessoas ácidas podem escrever palavras brandas. Na verdade é como se elas pincelassem as palavras, porque elas já têm aquela forma. O conteúdo, a personalidade é que é dada. Sim, as palavras têm personalidade. Eu sempre mantive uma relação muito estreita com elas. Mais que com as pessoas, confesso. As palavras me dão uma liberdade que ninguém me deu. Quando as escrevo eu posso ser eu mesma, sem pudor algum. Com as pessoas a gente sempre precisa se podar um pouco. Ninguém é completamente o que é, quando está com os outros, embora ninguém admita. Escrevendo, sim, a gente vira ao avesso. As palavras me usam e eu as uso, e ninguém sai perdendo com isso, como acontece quando as pessoas se usam. E eu sou consciente de que escrever é uma responsabilidade tamanha, pois é a referência que estou conotando em cada palavra. Embora ela já tenha o seu significado, eu, enquanto escritora, estou fortalecendo a sua imagem, o seu peso, o sentido que ela carrega. A emoção, o sentimento, a tradução. Poucas pessoas são abertas à moldar-se assim. Sim, é um risco. Podemos, todos nós, fazer mal uso das palavras e reduzi-las à nada. Podemos querer e tentar mudar algo nas pessoas que julgamos necessário, mas na realidade não são, e podem até torná-las menores do que são. As pessoas erram. Assim como as palavras podem se apresentar erroneamente. É a vida. A nossa e a delas. O bom é que estaremos juntos por todo o tempo. As palavras não vão deixar de existir antes das pessoas. E nem o inverso. Estaremos todos convivendo juntos. Passíveis de sermos escolhidos ou negligenciados. Até lá é melhor nos esforçarmos pra continuar causando uma boa impressão. As pessoas às palavras, e estas àquelas. Pois enquanto houver um último suspiro, haverá sempre a última palavra. 


Lai Paiva


4 comentários:

  1. É isso que acontece quando a pessoa certa encontra as palavras certas... Perfeito =)

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  2. Às vezes tenho medo de como uso as palavras. Já disseram que eu posso fazê-las pesarem uma tonelada. Assim como posso fazê-las doces e você sabe disso, querida. E você também é uma dessas pessoas, tão doces que...

    ... merece beijos e beijos! :)

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    1. É, Lelezinho, somos parecidos nisso. Obrigada pela leitura! Sempre me felicita! Beijos mil

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