23 de junho de 2013

Sobre Cebola e Desilusões


Sempre detestei cebola. A textura, o cheiro, o gosto. E acho que estou inclusa numa grande parcela da população mundial que compartilha do mesmo dissabor. A cebola é realmente digna de desaprovação. E eu não poderia poupá-la de tal. Quem manda ser ruim? Tão ruim que faz chorar quem a corta, manuseia. Com as desilusões acontece o mesmo, só que, ao invés de as cortarmos, elas é que nos cortam, mas choramos, assim como quando cortamos cebolas. As desilusões são ácidas, as cebolas, também. São ambas indigestas. De gosto duvidoso e de efeito exato. A cebola marca o sabor das coisas. Contamina, se sobressai sobre qualquer outro ingrediente. As desilusões, também.  Elas anulam os sorrisos dos lábios, ocultam os suspiros de leveza, danificam a motivação e o ânimo. Sobressaem-se até mesmo entre os mais fortes. Não há como uma receita, que contenha cebola, ficar imune ao seu gosto forte. Não há como se imunizar contra as desilusões, por mais que tantas outras já tenham sido vividas. Nenhuma papila digestiva está aberta para recepcionar aquele sabor. Nenhuma alma está aberta para desiludir-se. Acontece. Acontece de pegarmos de surpresa um pedaço de cebola no meio de uma fatia de torta salgada e nos desencantarmos daquilo que estava tão bom. Acontece de, no meio da felicidade, encontrarmos uma desilusão, que já estava lá, no meio de tudo, escondida, à espera de ser descoberta. E aí é como cortar cebolas. Lágrimas ácidas e cheiro característico. Aquele cheiro que a tristeza tem. Por outro lado, apesar de detestar cebola, e, obviamente, desilusões, preciso ser franca. Não sei se foi por causa do poder de persuasão que talvez a cebola tenha, ou por algum outro motivo que eu desconheça, mas preciso afirmar que adoro bife acebolado. Como assim? Não sei. É claro que, depois de preparado, eu tiro as rodelas de cebola de cima pra me deliciar. E me delicio. Assim, como quem ama cebola. É um momento antagônico. Quem o observa, certamente pode afirmar que eu sou fascinada por cebola, tamanha a minha avidez por aquele prato. Mas a verdade é que eu odeio cebola, só que eu adoro esse prato que a contém e que foi contaminado pelo seu sabor e cheiro. Percebo que com certas desilusões acontece o mesmo. Como se fosse uma desilusão pro bem. Um divisor de águas. A partir daquela desilusão, tudo será melhor. Era preciso vivenciá-las, ou melhor, sofrê-las, para alcançar o bem almejado. Porque as desilusões ensinam, fortalecem, quando não matam. Sim, discordo de quem afirma que se viveu uma ou outra desilusão. Não se as vive. As desilusões matam. Mesmo quando ainda permanecemos vivos por um longo tempo. Elas são marcantes, assim como a cebola. Ninguém quer desiludir-se, mas, às vezes, mesmo sem entendermos naquele momento, é necessário, pra dar outro sabor aos dias. Como a cebola, que, sem dúvida, deu um sabor diferente ao bife. Afinal, o que seria do bife acebolado se não fosse a cebola? Um mal, se assim posso chamar, necessário. Como certas desilusões. O que importa mesmo é o resultado final. Que tudo seja digestivo. O bife, a tristeza. Importante é sentir que as lágrimas que as desilusões fazem fluir serão momentâneas, que durarão apenas o tempo de cortar toda uma cebola. Mas que depois virão outros suspiros e outras delícias. Pras papilas digestivas e pra alma. Porque pra tudo há um propósito. Só precisamos descobrir. Eu só descobri que adoro bife acebolado depois de enfrentá-lo, de experimentá-lo, mesmo contra minha vontade. E descobri que algumas desilusões vieram pros meus dias pra que eu tivesse dias melhores ao passar por elas. Então eu resolvi enfrentá-las e experimentá-las, mesmo contra minha vontade. Porque, muitas vezes, nem tudo o que parece desgostoso o é totalmente. É só uma questão de sentir de outra forma.



Lai Paiva


8 comentários:

  1. É exatamente assim :)

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  2. Eu realmente detesto cebola, Lainezinha. Prefiro enfrentar as desilusões, até porque elas vêm sem que eu as chame. Quanto às cebolas, sou dono da minha casa. Não as convido, embora um ou outro pedaço venha naquele salgado delicioso (depois da cebola, nem tanto).

    Gostei da crônica. É como um bife acebolado, embora eu afaste sempre as danadas. Eheheh!

    Beijo sem bafo de cebola pra ti! ;)

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    1. Lelezinho, meu querido poeta, é uma felicidade ser lida por vc, sempre! Saudades de vc por aqui! Beijos e obrigada!

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  3. Extasiante, como sempre, Lai...

    Tati

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  4. Se eu te contar que achei seu blog atraves de uma procura por uma musica chamada Cebolas da banda Supercombo, que é bem poetica e até vejo uma semelhança com teu texto, enfim eu me arisco a escrever algumas coisas, gostaria do seu olhar critico quanto a meus textos, não tenho um blog, mas escrevo neste site, esta poesia acho que lhe agradara, http://fanfiction.com.br/historia/353646/Comeco_Meio_E_Fim/capitulo/1 espero que goste, e aguardo suas recomendações de posts que voce escreveu pra eu ler =)

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  5. Obrigada pela visita e apreciação. Muito bonita sua poesia! Parabéns!

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