Naquela tarde eu resolvi me
apresentar a mim mesma, como se nunca antes tivesse me dito ou me enxergado ao me
olhar refletida nos muitos espelhos pelos quais passei.
Precisava fazê-lo para não correr
o risco de não me reconhecer em meio às tantas que há em mim.
Era um domingo chuvoso. O cheiro
que a chuva trazia me tirava de onde eu estava, e conduzia os meus passos para
dentro de mim. Então me pus embaixo das cobertas e voltei meu olhar só para
mim, como nunca o fizera antes.
Chamo-me Macela. Tenho nome de flor, mas sou feita de palavras.
Umas tantas, entre muitas.
Escrevo mais que vivo. Vivo pra
escrever. Escrevo e me sinto viva. Mais ou menos isso.
Os meus instantes terminam quando
a inspiração começa. E me ponho a escrever. Tive e tenho muitas alegrias
diluídas em versos. Muitos amores transcritos em linhas sentimentalistas, bem
como os desamores, postos em linhas melancólicas. Mas não me importo em ter
momentos ruins, momentos tristes, pois eu os transformo em poesia. Não que as
desilusões sejam bem vindas, mas delas eu extraio versos tão apreciáveis quanto
aqueles que me fazem sorrir.
O amor permeia a minha escrita,
mas ele sempre me escapou ao findar-se a poesia. Como se de fato as minhas
histórias tivessem de ser efêmeras para que outras viessem para serem vividas e
escritas. E embora tantas pessoas tenham passado sem ficar, nunca me senti tão
só, pois a solidão sempre me foi companhia e conduzia as minhas palavras, as
vestia de versos e me impulsionava a escrever.
A paixão chegava e se esvaía
também à medida que a descrevia e destinava.
A saudade em certos momentos deu
uma leveza linda aos meus versos, noutros, os fez pesar expressivamente. Se não
os tivesse escrito não os teria podido carregar.
As minhas amizades, sempre tão
afáveis, eram como se dessem cor, sabor, tom, à minha escrita. E eu escrevia e
escrevo para presentear, sendo pra mim tão importante o que escrevo. É onde
pouso os meus sentimentos mais puros, mais intensos, mais significativos.
Os versos, muitas vezes, representam
os beijos e abraços que eu deixei de dar, por não ter sido oportuno ou por terem
se ausentando outros lábios, as maçãs de algum rosto, e outros braços.
Nunca me senti tão livre como
quando escrevo. Sinto que prefiro escrever a viver. A escrita me faz sentir o
que não deveria, me permite ir aonde meus pés não me levariam. Aonde eu não
deveria chegar.
A escrita me permite fantasiar as
horas que eu queria pros meus dias, os dias que eu queria pro meu viver.
Às vezes escrevo para não falar.
Nunca o inverso. Poderia ter sido privada da capacidade de falar, nunca da de
escrever. É como se as palavras fossem o ar que respiro, como se elas
mantivessem em sintonia os meus sinais vitais, os meus sentidos.
Os meus sentimentos se harmonizam
quando escrevo. A minha poesia imprime o que trago pelo avesso, por dentro, aonde
quase ninguém chegaria, caso não escrevesse.
No papel deito os meus devaneios.
Os meus segredos disfarçados de ficção. Os meus desejos maiores. As minhas
experiências marcantes. E aquilo que não vivenciei, mas bem queria.
Escrevo pra mim aquilo que
gostaria que me dissessem. Aquilo que gostaria que lessem ao olharem bem nos
meus olhos, sem que fosse preciso pronunciar uma só palavra.
Escrevo pros outros. Pras pessoas
que não conheço, para que saibam que naquelas linhas existe alguém vagando.
Para que me achem bonita ou feia, boa ou má, mas que achem, simplesmente.
Escrevo pros meus amigos porque o
amor que despertam em mim tem vida própria e me conduz a fazê-lo. Quando me dou
conta, estou amando-os através dos meus versos livres.
Escrevo pros amores que tive e
que tenho. Descrevo em versos o sentir que eles despertam em mim. Minhas
declarações de amor silenciadas.
E quando escrevo e destino a
alguém, já não é mais minha aquela poesia, mas sim do outro. E, mesmo sabendo
que sendo deles, podem fazer dela o que bem queiram, eu sempre espero que a
guardem, pois cada linha que escrevo leva um pouco de mim, de quem fui e de
quem sou. Eu sempre estou implícita no mínimo que escrevo.
Sim, sou bem feliz assim, ainda
que a minha escrita expresse em algum momento conote o contrário. Nada me faz
sentir tão viva e contente que o ato de escrever. É nessa relação intima que
preencho as lacunas que vão surgindo no meu percurso.
É com a escrita que me permito
ser insana sem ser apontada.
É na minha poesia transbordante
que me desnudo, me reconheço, me apresento e que sinto o meu sentir mais
intenso. Mais que isso, é com a minha escrita que acarinho, afago, me desculpo,
presenteio. Nos meus versos vão a minha mais pura essência, seja ela atrativa
ou repulsiva.
Escrevendo, meu coração mantém-se
mais vivo. E eu me mantenho mais firme e certa de quem sou e para que estou
aqui. E eu estou aqui para escrever.
Palavra por palavra...
Por fim a noite chegou. A chuva
cessou e, convicta de quem sou, acarinhei a mim mesma com uma pílula de tarja
preta e me pus embaixo das cobertas, fechando-me à leitura, como se fosse um
livro espesso, o qual se lê por etapas.
Fiquei alguns momentos quieta,
até que o sono calou-me como ao fim de uma poesia. E eu descansei tranqüila
nessas linhas que me acolhem...
Lai Paiva
Lindo o conto! Parabéns mais uma vez! Mas não seja como a Marcela... De viver somente para o mundo da escrita! Viva a vida real também! Ela também eh boa! E vc sabe bem disso! Esse mundo maravilhoso da escrita, que a Marcela vive, ela só vive nele, não pode fazer bem a quem vive num mundo igual ao nosso!!! Lai Paiva pode viver nos dois mundos! Ela sabe ser feliz em todos os mundos! Venha para o mundo real as vezes e deixe a Marcela no mundo dos contos, poesias, textos... Te amo, minha irma! Saudades...
ResponderExcluir