17 de fevereiro de 2015

Sobre os fantasmas de cada um


Quase todo o mundo cresce ouvindo uma ou outra história assombrosa, com fantasmas e outros seres assustadores. Faz parte da infância. E quando crescemos os fantasmas continuam rondando, mas já não nos assustam mais. Passam a ter nome próprio e cheiro peculiar. Muitos deles são doces, ternos, amáveis. E eram reais até o momento que alguma coisa os move a deixar de ser. Então passam a rondar apenas a nossa imaginação solitária. Eu tenho os meus, como cada um os tem. Há aqueles que já não aparecem mais. Ficaram perdidos em algum lugar em que meus pensamentos não visitam mais. Há apenas um quase me assombrando com a mesma frequência com a qual os ponteiros do meu relógio imaginário se movimentam, contando o tempo em que já não o vejo mais. Levam meses até um fantasma tomar esta forma. E talvez leve a vida inteira para perder-se onde já não se possa mais alcançar. Talvez leve a eternidade, que nem sei se me pertence, para que não seja tão nítido o seu rosto, para que não seja tão presente a sua ausência. Há fantasmas e fantasmas. Cada um assombrando à sua maneira. Cada um com seu beijo nu, livre de qualquer impedimento àquela união. Cada um com seu poder imensurável de entrar no outro e ser-lhe a própria alma. Cada um com suas formas perigosamente sedutoras. E são para isso que servem os fantasmas: para rondar os nossos pensamentos e confundir a nossa visão, a nossa razão. Para isso que servem os fantasmas. Nos abraçar como se estivessem mesmo na nossa pele. Nos olhar como se estivessem fincados à nossa frente, em frente ao nosso desejo insano de que ainda fossem reais. Melhor quando faziam parte do nosso temor infantil. Quando o queríamos longe dos nossos corações. Pior será, talvez, quando nem fantasmas forem mais. Quando, enfim, se dissolverem como todas as lembranças, para que se tornem passado. Para que cada um livre-se daquilo que não pode mais tocar. É só o que devemos querer: não contar nem cantar fantasma algum. Antes a solidão errante... Pois, na verdade, nós devemos é ter medo dos fantasmas que aprendemos a amar na vida adulta.


Lai Paiva